Valor Econômico
26/05/2009
Antes das armas atômicas, as armas da intolerância já são usadas a pleno vapor
Marcos Alan Ferreira
A exclusão de minorias religiosas e das mulheres e o maltrato contra minorias são o pano de fundo da situação política e social do país.
Nos últimos anos, a questão nuclear iraniana tornou-se uma constante no debate sobre segurança internacional, numa conjuntura em que prevalece o temor com relação às ações que podem ser tomadas por extremistas islâmicos.
Vemos que Estados Unidos e Europa têm agido de maneira concreta nos fóruns internacionais contra o desenvolvimento da tecnologia nuclear do Irã. Por outro lado, a importante questão dos direitos humanos na nação iraniana tem ficado em segundo plano.
No entanto, esse poderia ser o ponto de partida na análise da comunidade internacional com relação àquele país.Ao considerar esta questão, não se pode perder de vista que o Irã é atualmente o segundo país que mais faz uso da pena capital, ficando atrás somente da China. Comparando-se o tamanho das populações dos dois países, tem-se uma ideia da gravidade de tal problema no Irã. Segundo Shirin Ebadi, a advogada iraniana ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2003, a situação dos direitos das mulheres piorou sensivelmente de 2008 para cá.
Um exemplo recente é o caso da execução da jovem Delara Darabi, acusada de ter cometido um crime aos 17 anos de idade.
O caso Delara recebeu atenção de organizações como a Anistia Internacional, haja vista que a defesa da acusada não teve a oportunidade de apresentar durante o julgamento algumas provas que a poderiam inocentar do crime.
Além disso, ela foi executada antes de terminar um prazo de anistia de dois meses para revisão do seu processo penal, fazendo com que a jovem entrasse na infeliz estatística de ser a 140ª pessoa a ser executada no Irã somente nos quatro primeiros meses deste ano.Outra questão preocupante é a intolerância religiosa. Uma das perseguições religiosas mais odiosas que acontecem no mundo hoje se dá contra os membros da Fé Bahá'í dentro do Irã. Esta religião, fundada no século XIX por Mirzá Husayn Alí (1817-1892), conhecido posteriormente pelo título de Bahá'u'lláh, concentra a maior minoria religiosa dentro do Irã, contando hoje com um número estimado de mais de 300 mil adeptos.
Embora seus princípios sejam pacíficos - dentre as quais figuram a defesa da unidade da humanidade e promoção da paz e igualdade entre homens e mulheres - dados de organizações de direitos humanos contabilizam mais de 200 mortes de bahá'ís desde 1980. Nas execuções e prisões arbitrárias contra os membros desta religião não figura nenhuma acusação grave, exceto o fato de seguirem uma religião considerada apóstata pelos aiatolás que controlam o Irã.
É relevante notar o fato de os acusados não terem direito a um advogado de defesa ou acesso aos autos do processo. O mesmo ocorreu com outra personagem conhecida dos jornais nas últimas semanas, a jornalista iraniana-americana Roxana Saberi.Nos 30 anos desde a Revolução Islâmica, além das execuções dos membros da Fé Bahá'í, contabiliza-se demolição de locais sagrados da religião em Teerã e Shiráz, expulsão de jovens das universidades e maltrato de crianças nas escolas, além da perda de direitos trabalhistas.Dentro desta mesma temática ainda pouco discutida no Brasil, em 1990 as Nações Unidas tiveram acesso a um documento secreto do governo iraniano chamado memorando Golpaygani, que mostra claramente a existência de um plano sistemático de eliminação da Fé Bahá'í do país.
A preocupação quanto a este memorando tem recebido apoio não só da Anistia Internacional, como também do Parlamento Europeu e de órgãos governamentais especializados em direitos humanos e liberdade religiosa do Canadá, Austrália, Grã-Bretanha e EUA.O maltrato contra minorias étnicas completa o pano de fundo da questão dos direitos humanos no Irã atual. Entre os grupos perseguidos estão os azerbaijanos, que assistiram um de seus membros, Mehdi Qahemsadeh, ser executado recentemente por ser considerado "um inimigo de Deus". Os azerbaijanos têm hoje mais um de seus membros no corredor da morte pela mesma vaga acusação.Outra minoria que vem sofrendo violação dos seus direitos são os curdos. Apesar de representarem aproximadamente 15% da população, é negado aos curdos o direito de registrar suas crianças com sobrenomes da etnia, segundo informa um relatório da Anistia Internacional publicado em 2008. Tais ações, somadas a limitações ao trabalho e culto religioso, tem marginalizado este grupo da sociedade iraniana.
Nunca é demais lembrar também do trágico episódio de 15 de julho de 2005, quando as forças de segurança iranianas abriram fogo contra um grupo de curdos que protestavam em Mahabad, matando 20 pessoas e deixando outras dezenas de feridos. Além do que foi dito acima, situações semelhantes ocorrem eventualmente com as minorias das mais diversas como os balúchis, cristãos, judeus, sufis e homossexuais. Uma explicação sobre cada um destes casos daria margem para escrever inúmeras outras tristes linhas de desrespeito à dignidade humana.Este contexto contrasta drasticamente com a governança vista em momentos históricos do Irã antigo (Pérsia), em que prevaleceu um império como o de Dario. As paredes da histórica cidade de Persépolis refletem até hoje a justiça pela qual era conhecido este soberano. Triste dizer que o governo hoje é outro, pouco preocupado em reforçar o povo amável, a beleza e a cultura pela qual o Irã deveria ser conhecido internacionalmente.
No mundo e no Brasil, a questão que fica é: devemos ou não relativizar a questão dos direitos humanos quando tratamos com governos que são conhecidos e contumazes violadores da carta da Declaração Universal dos Direitos Humanos? Onde colocamos os limites do que é tolerável? Talvez estes sejam os questionamentos mais importantes para a comunidade internacional quando o assunto é Irã, haja vista que antes das armas atômicas, as armas da intolerância já são usadas a pleno vapor.
Marcos Alan Ferreira é professor e pesquisador no Departamento de Relações Internacionais & Country Studies da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e graduado em Estratégia e Políticas de Defesa pela National Defense University (EUA).
26/05/2009
Antes das armas atômicas, as armas da intolerância já são usadas a pleno vapor
Marcos Alan Ferreira
A exclusão de minorias religiosas e das mulheres e o maltrato contra minorias são o pano de fundo da situação política e social do país.
Nos últimos anos, a questão nuclear iraniana tornou-se uma constante no debate sobre segurança internacional, numa conjuntura em que prevalece o temor com relação às ações que podem ser tomadas por extremistas islâmicos.
Vemos que Estados Unidos e Europa têm agido de maneira concreta nos fóruns internacionais contra o desenvolvimento da tecnologia nuclear do Irã. Por outro lado, a importante questão dos direitos humanos na nação iraniana tem ficado em segundo plano.
No entanto, esse poderia ser o ponto de partida na análise da comunidade internacional com relação àquele país.Ao considerar esta questão, não se pode perder de vista que o Irã é atualmente o segundo país que mais faz uso da pena capital, ficando atrás somente da China. Comparando-se o tamanho das populações dos dois países, tem-se uma ideia da gravidade de tal problema no Irã. Segundo Shirin Ebadi, a advogada iraniana ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2003, a situação dos direitos das mulheres piorou sensivelmente de 2008 para cá.
Um exemplo recente é o caso da execução da jovem Delara Darabi, acusada de ter cometido um crime aos 17 anos de idade.
O caso Delara recebeu atenção de organizações como a Anistia Internacional, haja vista que a defesa da acusada não teve a oportunidade de apresentar durante o julgamento algumas provas que a poderiam inocentar do crime.
Além disso, ela foi executada antes de terminar um prazo de anistia de dois meses para revisão do seu processo penal, fazendo com que a jovem entrasse na infeliz estatística de ser a 140ª pessoa a ser executada no Irã somente nos quatro primeiros meses deste ano.Outra questão preocupante é a intolerância religiosa. Uma das perseguições religiosas mais odiosas que acontecem no mundo hoje se dá contra os membros da Fé Bahá'í dentro do Irã. Esta religião, fundada no século XIX por Mirzá Husayn Alí (1817-1892), conhecido posteriormente pelo título de Bahá'u'lláh, concentra a maior minoria religiosa dentro do Irã, contando hoje com um número estimado de mais de 300 mil adeptos.
Embora seus princípios sejam pacíficos - dentre as quais figuram a defesa da unidade da humanidade e promoção da paz e igualdade entre homens e mulheres - dados de organizações de direitos humanos contabilizam mais de 200 mortes de bahá'ís desde 1980. Nas execuções e prisões arbitrárias contra os membros desta religião não figura nenhuma acusação grave, exceto o fato de seguirem uma religião considerada apóstata pelos aiatolás que controlam o Irã.
É relevante notar o fato de os acusados não terem direito a um advogado de defesa ou acesso aos autos do processo. O mesmo ocorreu com outra personagem conhecida dos jornais nas últimas semanas, a jornalista iraniana-americana Roxana Saberi.Nos 30 anos desde a Revolução Islâmica, além das execuções dos membros da Fé Bahá'í, contabiliza-se demolição de locais sagrados da religião em Teerã e Shiráz, expulsão de jovens das universidades e maltrato de crianças nas escolas, além da perda de direitos trabalhistas.Dentro desta mesma temática ainda pouco discutida no Brasil, em 1990 as Nações Unidas tiveram acesso a um documento secreto do governo iraniano chamado memorando Golpaygani, que mostra claramente a existência de um plano sistemático de eliminação da Fé Bahá'í do país.
A preocupação quanto a este memorando tem recebido apoio não só da Anistia Internacional, como também do Parlamento Europeu e de órgãos governamentais especializados em direitos humanos e liberdade religiosa do Canadá, Austrália, Grã-Bretanha e EUA.O maltrato contra minorias étnicas completa o pano de fundo da questão dos direitos humanos no Irã atual. Entre os grupos perseguidos estão os azerbaijanos, que assistiram um de seus membros, Mehdi Qahemsadeh, ser executado recentemente por ser considerado "um inimigo de Deus". Os azerbaijanos têm hoje mais um de seus membros no corredor da morte pela mesma vaga acusação.Outra minoria que vem sofrendo violação dos seus direitos são os curdos. Apesar de representarem aproximadamente 15% da população, é negado aos curdos o direito de registrar suas crianças com sobrenomes da etnia, segundo informa um relatório da Anistia Internacional publicado em 2008. Tais ações, somadas a limitações ao trabalho e culto religioso, tem marginalizado este grupo da sociedade iraniana.
Nunca é demais lembrar também do trágico episódio de 15 de julho de 2005, quando as forças de segurança iranianas abriram fogo contra um grupo de curdos que protestavam em Mahabad, matando 20 pessoas e deixando outras dezenas de feridos. Além do que foi dito acima, situações semelhantes ocorrem eventualmente com as minorias das mais diversas como os balúchis, cristãos, judeus, sufis e homossexuais. Uma explicação sobre cada um destes casos daria margem para escrever inúmeras outras tristes linhas de desrespeito à dignidade humana.Este contexto contrasta drasticamente com a governança vista em momentos históricos do Irã antigo (Pérsia), em que prevaleceu um império como o de Dario. As paredes da histórica cidade de Persépolis refletem até hoje a justiça pela qual era conhecido este soberano. Triste dizer que o governo hoje é outro, pouco preocupado em reforçar o povo amável, a beleza e a cultura pela qual o Irã deveria ser conhecido internacionalmente.
No mundo e no Brasil, a questão que fica é: devemos ou não relativizar a questão dos direitos humanos quando tratamos com governos que são conhecidos e contumazes violadores da carta da Declaração Universal dos Direitos Humanos? Onde colocamos os limites do que é tolerável? Talvez estes sejam os questionamentos mais importantes para a comunidade internacional quando o assunto é Irã, haja vista que antes das armas atômicas, as armas da intolerância já são usadas a pleno vapor.
Marcos Alan Ferreira é professor e pesquisador no Departamento de Relações Internacionais & Country Studies da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e graduado em Estratégia e Políticas de Defesa pela National Defense University (EUA).
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